quinta-feira, 16 de junho de 2011

As duas camas ou Meu morango no abismo


Dedicado à Ágatha Zeller

(Ágatha Zeller)

As duas camas

Sempre estiveram lá

No escuro e no claro

No inverno e na primavera

Lado a lado

Sereníssima!


Ainda me lembro

De quando você era tão pequena

E medrosa

Escondia-se na minha cama

Cuidava de ti


Ainda me lembro

De quando eu já era tão grande

E melancólica

Chorava no seu peito

Cuidavas de mim


Sereníssima!

Sereníssima!

Sereníssima minha!


A fala minha a escuta sua

O desabafo seu o calar meu

Olhos seus

Caracóis meus

Sardas suas!


Ainda sinto os grãos de areia

Saindo de seus sapatos

Procuro avidamente as sardas

Eternamente as sardas!


Nossa vida divida

Tua dor compartida

Minhas angustia repartida

Irmãs!


Irmãs!

...

Irmãs!


Amor saudoso curado com um sorriso

O abraço mais sincero e o grito mais estúpido

Irmãs!

Eternamente

Meu morango no abismo...

terça-feira, 14 de junho de 2011

Dissimulação acompanhada




Carregadas do excessivo peso

Seus lindos dentes cerrados

Elas seguem com lábios fechados

Braços cruzados apáticos

Olhos trancados alheios

Mãos paradas

Como as pessoas sozinhas não são elas

Odeio quando me percebo nos outros

Odeio quando me perco nos outros

Dentro e fora de todo o amor

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Comungando folhas




Eu varria as folhas caídas, como quem executa mecanicamente os movimentos para não processar mentalmente a própria melancolia,era uma desculpa pra me distrair,para fugir de mim ,eu me lembro que estava varrendo as folhas caídas....
O pé de Amora sempre esteve lá, eu o olhava todos os dias mas nunca o havia visto de fato.Parei e a vislumbrei,naquele momento eu a percebi,a Amoreira,de todas as manhãs geladas e madrugadas inacabadas,era singela porém grandiosa,me vi acolhida sob ela.esta já estava ali,muito tempo antes de mim.
Eu não mais varria as folhas caídas.
Admirava-a agora.
Suas folhas eram verde escuras, não haviam amoras maduras,nem mesmo flores,apenas folhas,e aquelas folhas me pareciam como frutos...
Foi quando senti aquela volúpia, foi rápido, não pensei no ato propriamente,apenas sabia o que eu estava desejando,foi uma vontade da alma que o corpo compreendeu e sucumbiu.
Não retirei a bela folha de sua haste, a mantive na amoreira, como quem comunga uma hóstia de maneira santificada eu a comi; delicadamente entreabri minha boca, passando-a por entre meus lábios, senti o gosto da seiva viva em minha língua, sabor nunca antes degustado.Como em um rito a mastiguei,não inteira apenas parte de sua metade,não queria depravar nada só desejava o enlace com existência tão casta e límpida.Experimentei a inocência que já havia partido em mim há muito tempo e a veracidade que não encontro nas pessoas.Me tornei parte de uma folha,presa em um galho de uma arvore ,não sei se velha ou muito antiga,unida através de minha boca,boca da folha,haste dela,haste minha,nervuras nossas...
Era um gosto verde, verde vivo; meio amargo com fundo de amora.