domingo, 30 de janeiro de 2011

Há um ideal?


Em uma conversa ele me falou: ”Marx é ópio dos intelectuais.”.
Não me tomo como intelectual, no entanto me sentia viciada nesse emaranhado de discursos tão entorpecentes. Percebia todos os meus gestos como relevantes ao panorama global, acreditava que todos meus pensamentos eram um grito louvável de subversão capazes de movimentar o mundo. Concebia a idéia do “Bom selvagem”de Rousseau , destruído e moldado por uma sociedade diligente e lucrativo.Me rebelava com tudo que pudesse me parecer tradicional e padronizado.Sobretudo alguém com esperanças nos seres humanos.
Então pergunto, e agora?
Quais são as causas, quando sinto que não sou nada além de uma peça desencaixada no quebra-cabeça social. Será mesmo que posso fazer parte da diferença?
Olho pessoas nas ruas andando alheias umas às outras, como se não compartilhassem dos mesmos dramas, como se não doessem e sangrassem do mesmo jeito.
E o que faço eu agora?Ainda sangro igual?Devo dar o peixe ou ensinar a pescar àqueles que me pedem uma moeda?
Temo tornar-me aquilo que sempre repudiei; individual, egoísta e descrente.
Participante de um contexto partícula, membro privilegiado de um esquema de classes. Cego e indiferente ao meu redor. Trocando a empatia por apatia.
Apego-me a frase do filme Edukators que afirma “Toda coração é uma célula revolucionaria”, onde adoto a Revolução como um organismo em construção.
Tentando resistir e ser o que gostaria de ser.
Há um ideal?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

sábado, 22 de janeiro de 2011

Os espelhos

O que é um espelho? Não existe a palavra espelho - só espelhos, pois um único é uma infinidade de espelhos. - Em algum lugar do mundo deve haver uma mina de espelhos? Não são precisos muitos para se ter a mina faiscante e sonambólica: bastam dois, e um reflete o reflexo do que o outro refletiu, num tremor que se transmite em mensagem intensa e insistente "ad infinitum", liquidez em que se pode mergulhar a mão fascinada e retirá-la escorrendo de reflexos, os reflexos dessa dura água. - O que é um espelho? Como a bola de cristal dos videntes, ele me arrasta para o vazio que no vidente é o seu campo de meditação, e em mim o campo de silêncios e silêncios. - Esse vazio cristalizado que tem dentro de si espaço para se ir para sempre em frente sem parar: pois espelho é o espaço mais fundo que existe. - E é coisa mágica: quem tem um pedaço quebrado já poderia ir com ele meditar no deserto. De onde também voltaria vazio, iluminado e translúcido, e com o mesmo silêncio vibrante de um espelho. - A sua forma não importa: nenhuma forma consegue circunscrevê-lo e alterá-lo, não existe espelho quadrangular ou circular: um pedaço mínimo é sempre o espelho todo: tira-se a sua moldura e ele cresce assim como água se derrama. - O que é um espelho? É o único material inventado que é natural. Quem olha um espelho conseguindo ao mesmo tempo isenção de si mesmo, quem consegue vê-lo sem se ver, quem entende que a sua profundidade é ele ser vazio, quem caminha para dentro de seu espaço transparente sem deixar nele o vestí¬gio da própria imagem - então percebeu o seu mistério. Para isso há-de se surpreendê-lo sozinho, quando pendurado num quarto vazio, sem esquecer que a mais tênue agulha diante dele poderia transformá-lo em simples imagem de uma agulha.Devo ter precisado de minha própria delicadeza para não atravessá-lo com a própria imagem, pois espelho que eu me vejo sou eu, mas espelho vazio é que é espelho vivo. Só uma pessoa muito delicada pode entrar num quarto vazio onde há um espelho vazio, e com tal leveza, com tal ausência de si mesma, que a imagem não marca. Como prêmio, essa pessoa delicada terá então penetrado num dos segredos invioláveis das coisas: Vi o espelho propriamente dito.E descobri os enormes espaços gelados que ele tem em si, apenas interrompidos por um ou outro alto bloco de gelo. Em outro instante, este muito raro - e é preciso ficar de espreita dias e noites, em jejum de si mesmo, para poder captar esse instante - nesse instante consegui surpreender a sucessão de escuridões que há dentro dele. Depois, apenas com preto e branco, recapturei sua luminosidade arco-irisada e trêmula. Com o mesmo preto e branco recapturei também, num arrepio de frio, uma de suas verdades mais difí¬ceis: o seu gélido silêncio sem cor. É preciso entender a violenta ausência de cor de um espelho para poder recriá-lo, assim como se recriasse a violenta ausência de gosto da água.


Clarice Lispector

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Lacuna


Hoje doeu.
Doeu mais do que normalmente dói diariamente, doeu como uma ferida crônica que nunca cicatriza,doeu como uma perda recente e uma saudade eterna.
Talvez tenha doído por medo, ou pela dúvida do que fazer. A palavra mais exata seria insegurança.
Pensei em quando era menina e você me carregava no colo ao mínimo sinal de perigo, a partir de qualquer gesto de desconforto meu assim você me amparava.
Esperei aquele copo de leite com chocolate antes de dormir.
De vezes em quando finjo que você só está viajando, que se esqueceu de voltar, que está se divertindo muito, dando tantas risadas em algum lugar por ai, que quase consigo escutar. Deve haver muito sorvete.
Vendo suas xícaras e chaleira parece que vejo você fazendo o café da tarde com bolinhos de chuva. Manter suas coisas perto de mim me faz notar sua presença, sua presença que se imortaliza em mim.
Recordo-me das lições de casa, de que quando você me ensinou a ler.
Como essas memórias me trazem um cheiro de infância que não consigo mais encontrar em nenhum lugar, em nenhuma das imensidões que contem o mundo.
Talvez seja por ser uma imensidade só minha, um cheiro que só eu senti, uma sensação que apenas eu tive o prazer de provar.
Olho para minhas mãos. Como me lembram as suas!
Como me inspiro no seu gênio, e tenho o legado de sua ferocidade.
Sim, é verdade você não era nada fácil. Contudo nunca me interessei por facilidades, acho que deve ser essa a raiz de meu apurado gosto por complicações.
Adorava verdadeiramente ouvir aquelas historias, historia não de uma vida, mas de várias que passaram e marcaram sua alma. Pessoas que agora vivem apenas nas gavetas de meus pensamentos e curiosamente chegaram até lá por meio de seus relatos.
Sempre me lembro. Nostalgia a minha!
Volta e meia, me sobe a boca e brota em frase aquela fala:
-“Como diria minha vó...”.
Mas nada volta, e a cadeira de balanço continua vazia.....

sábado, 8 de janeiro de 2011

Aos amores antigos


Abro os olhos bruscamente, desperto através de um sobressalto, percebo-me demasiadamente atordoada. Talvez eu tenha bebido muito vinho ontem à noite, concluí recuperando aos poucos o controle de meus sentidos.
Lembrei-me que era sábado e como era meu costume ,sempre que podia, continuava deitada em minha cama depois de acordar.Foi o que fiz.Permaneci deitada,como quem optativamente repousa sobre os lençóis.Sempre considerei esse momentos como uma oportunidade para descobertas.Uma espécie de ritual pessoal executado por apenas uma sacerdotisa e no qual a maior oferenda era o pensamento.
Sentia o resquício do sono circulando por meu corpo,engraçado que imaginei que aquela sonolência sobressalente fosse como o açúcar que não dissolve,aquele corpo de fundo presente.vez ou outra, nas xícaras de chá...
Olhei para o teto que era marcado por listras de luz, que insistentemente atravessavam as persianas da janela.
Foi então que senti.
Desta vez não era nenhuma descoberta, era apenas uma percepção, de algo que já estava alo fazia tempo. Ali: em mim.
Era o excesso de ausência. Não ausência de alguém, aquela falta não tinha nenhum nome especial. Sendo uma lacuna,porem eu bem sabia do que.
Era o espaço que faltava ser preenchido pelas palpitações e aceleração de meus batimentos cardíacos. A falta de ansiedade por ver alguém.
Lembrei-me de sensações remotas, paixões envelhecidas, em meus amores antigos.
Em toda aquela simplicidade que era ser feliz, em quando havia alguém pra dizer “boa noite”, aquela pessoa especial pra quem costumava contar o meu dia, Essa mesma com quem eu brigava pela louça suja ou por não tolerar meus atrasos costumeiros. Aquela que lia pra eu dormir e ter doces sonhos encantados.A qual não estava no travesseiro ao lado.
Olhei ao redor, retornando a realidade, minha realidade, não havia ninguém. Estava sozinha.
Tive vontade de chorar. Mas não o fiz.
Ainda havia toda à tarde para isso....